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DEBÍ CONTAR MÁS HISTORIAS (eu deveria ter contado mais histórias)

Atualizado: 15 de set.


A pergunta era: qual a memória que você guarda com mais carinho?

Na hora eu só consegui pensar neste último Réveillon: em que passei num barco, no meio do mar, sendo engolida pelo brilho dos fogos de artifício e sendo beijada por um chileno encantador.

Sinceramente, meu coração ainda acelera toda vez que lembro. Fiz centenas de fotos e vídeos daquele momento, eu jamais quero esquecer. Duas horas depois, meu celular foi roubado. Tenho hoje os vídeos e fotos de outras pessoas em que por acaso eu apareço.

 

Fiquei chateadíssima de chegar de minha grande aventura e ter menos fotos para ilustrar minhas histórias. Eu pensei que quando chegasse da minha viagem de 32 dias no Chile, que todas as pessoas que eu conheço iriam me encher de perguntas, como crianças que pedem historinhas e deitam para escutar, atentas, com as mãozinhas segurando os queixos, às histórias da grande desbravadora que foi para terras desconhecidas! Eu mesma. E eu, como boa aventureira e contadora de histórias, faria mil cambalhotas contando todas as emoções, percalços e paixões que vivi na terra estrangeira.

Era o meu sonho.

 

A realidade é bem diferente. Uma foto vale mais do que mil palavras e lá se vai minha profissão de contadora de histórias por água abaixo. Aliás, deve ser por isso que o Stories do Instagram se chama Stories, né. Hoje em dia o encontro ficou caro, é tudo remoto, e o que a gente faz é postar um carrossel de fotos com uma frase qualquer, depois esperar um montão de likes.

 

Ainda que eu me lembre vividamente de ver meus parentes sentados com amigos em sofás, segurando montes de papel passando foto por foto, contando detalhes:

- Aqui foi onde almoçamos (mostra foto do restaurante)

- Logo mais, foi quando caiu meu sorvete no chão (mostra foto do sorvete)

- Essa parte eu já te contei, mas o que você vai ver na próxima foto é que meu sorvete caiu justamente no pé desse cara (mostra foto do cara) e acabamos numa balada (mostra foto do que poderia ser da linha de coca ou uma luz da boate – ninguém questionava).

- Ficamos lá até o amanhecer e aqui a foto do sol nascendo...

 

Esse costume não existe mais. Ninguém conta, só posta. E eu não quero postar, eu quero contar.

 

Já vi aquele risinho de frustração contida, mais de uma vez ao sacar meu belo iphone para fazer algum registro. Alguma amiga me diz: “Me manda depois, hein!” Eu sorrio e aceno dizendo que sim, mas quase sempre esqueço.

A Mari é mais doce e fala algo como: manda mesmo, amiga, eu sei que você demora a postar. Já a Pam, é mais bruta e solta um: não sei pra quê tirar foto se você não posta nada!

 

Tá, mas qual é a graça de postar, alguém me explica? Qual é a graça daquelas fotos sem contexto, sem falas, sem vida, com pose montada e aquele nível de curadoria?

 

Eu não tiro fotos para postar, eu tiro fotos para registrar as coisas que eu vivo, as coisas que eu vejo, as coisas que eu sinto, o caos urbano... Postar é apenas uma consequência. Na minha foto predileta deste último carnaval, eu nem apareço! Eu tiro fotos pois um dia eu posso esquecer tudo isso. Eu tiro fotos pois antes de poder tirar fotos as pessoas contavam histórias apenas dos detalhes que lembravam, de suas anotações e de alguns desenhos. Eu sei que estamos sendo filmados e vigiados em todos os momentos na cidade grande, e que mesmo que eu não queira, minha vida está sendo registrada o tempo todo. O lado bom disso é que eu tenho fotos e vídeos do Réveillon ainda que não tenham sido feitos por mim.  O lado ruim é que às vezes se perde um pouco de magia de termos tantos registros.


Stories não são histórias, então pra quem contamos as nossas?




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